domingo, agosto 27, 2006

Mais uma canção

"Nada vai mudar entre nós..."
Foi o que falei baixinho depois do primeiro beijo.
Natural, estranho e delicado. Sabe aquele beijo que surge do nada...assim...do nada mesmo? Exatamente isso que aconteceu. Ela não sabia o que fazer...não sabia se sorria, se ficava séria, se reprovaria a ação, se exultaria de alegria, não sabia. Como sei disso? reparei no modo que a coitadinha tava se comportando...totalmente perdida...chama cachorro de passarinho, passarinho de cachorro; apontava pra arvore que estava na nossa frente quando falava do por do sol, uma loucura...
"Como você sabe?"
"Como eu sei oq?"
"Que nada vai mudar?"
Respirei fundo. Verdadeiramente não sabia."Como eu sei? Eu só sei". Depois de ouvir a minha resposta, que na verdade era uma pergunta, ela deu aquele sorriso lindo, o sorriso que era só dela. Eu sentia uma paz quando via aquele sorriso...não sei explicar, mas sentia.
"Tudo vai permanecer igual, afinal, não há nada a fazer" reiterou ela.
Não sei porque, mas aquela frase veio no meu peito como uma flechada. Me incomodou de uma forma que não esperava. A idéia de transformar o beijo num acidente foi minha...fui eu quem começou dizendo que nada vai mudar, mas não dá pra ficar calado a vida inteira. Não vou fingir e sorrir mais uma vez. Esse é o momento, essa é a hora!
"Eu não nego, eu me entrego, você é meu grande amor, e hoje eu vou te dizer 'eu te amo' " - A moça ficou pasma. Não acreditava no que estava ouvindo. "Eu te imploro, eu te adoro, você tem meu coração a bater por você mais uma canção". Ela riu. Pelo amor de Deus, de onde saiu esse canção? tá maluco, porra?
Pelo menos, ela riu...na verdade ela gargalhou. Na certa foi um jeito que ela achou pra cortar o clima de novela mexicana que eu tinha instaurado. Aos poucos sua gargalhada se tornou uma risada, da risada foi para um sorriso e do sorriso sobrou apenas uma cara séria que olhava para mim com insistência. Na verdade nós não sabiamos o que dizer.Sabiamos sim, mas a realidade dos fatos deixaria uma ferida tão grande na nossa relação de amizade que preferimos ficar calados. E assim ficamos. Uns 15 minutos talvez, um olhando para o outro. Caras fechadas. Uma tensão só comparada com a dos filmes de velho oeste americano. Um esperando o outro sacar as palavras, o tiro certo. Mas, a munição não vinha. A frase perfeita, aquela que toda mulher tem...a frase elegante que elas usam para dizer que não somos interessantes, mas sem machucar o outro...essa não vinha.
A garota puxa o ar pra falar...ela vai falar, tenho certeza...mas, antes me veio pensamentos "de antes". De quando nos conhecemos. De como nos tornamos amigos. Ela era apaixonada por mim...todos falavam isso. Sua mãe me vinha com indiretas (aquela sutileza que toda mãe tem) muito fortes...sempre me pedia preu chama-la de sogra, dizia que sua filha vivia falando de mim. E as suas amigas? sempre diziam que eramos o casal perfeito, sempre me perguntando por que eu ainda não tinha ficado com Michelle. Eu sempre respondendo "porque ela é minha amiga". Até no baile de formatura, quando ela estava linda, no momento que dançamos a valsa, a garota me olhou nos olhos e tentou me beijar, mas esquivei...
Meu Deus, como pode alguém perder você como eu fiz, como eu quis não te ter? Desde aquele dia do baile vivo iludido a acreditar que o amor não se pôs em você...uma esperança que carrego até hoje, até este momento. Até agora. Ela vai falar, ela vai...
"Mas, me entrego. Eu não nego, eu errei, mas..."
Antes que ela falasse eu a interrompi e antes que eu terminasse, ela me interrompeu "Sou capaz de fazer sua vida mudar." Como assim a minha vida mudar? não entendi o que ela quis dizer com isso, com a cara séria ainda, a moça me olhava.
É...agora estava tudo perdido. Só me resta admitir a mim mesmo que estou apaixonado por ela. "Tô voltando não sei quando pra roubar teu coração" Falei baixinho. "O que você falou?" ela perguntou pra mim. Tava tudo perdido mesmo..."vamo avacalhar"...
"Eu disse tô voltando não sei quando pra roubar seu coração." Pronto. Consegui. Admiti pra mim mesmo que eu a amo.
"Você é um mentiroso. Aliás, você é burro e mentiroso." Essa eu não esperava...ofensas? me retei. Só poque eu tô afim dela, a moça vem logo "montando"?
"Burro. Burro mesmo...vc acha que vou cair nesse seu papinho de 'corno arrependido'?Mentiroso. Da primeira vez você falou 'teu coração' e não 'seu coração'. E, já que você não tem coragem, quem vai falar sou eu..."


...


Beijo...ela me deu outro beijo. Depois me sorrio e olhou dentro dos meus olhos. Tenho certeza que ela quis dizer que sempre me amou, nunca deixou de me amar. Outro beijo...outro...esse ultimo foi bem longo...em um lance repentino, ela se distanciou, olhou pra mim mais uma vez "Como você diz mesmo...é...canção...vou chegar no final de mais uma canção." Toda palhaça...

Nós rimos com vontade, como a muito tempo não ríamos. Olhamos para o céu que agora já estava estrelado e desejamos felicidades um ao outro. Ela olhou novamente em meus olhos, pegou a minha mão "Nada vai mudar entre nós, sempre nos amamos e vamos continuar nos amando."
Ela estava certa. Nada vai mudar entre nós.


Fábio, 21 anos